quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Literatura: ERNEST HEMINGWAY


Ernest Miller Hemingway (Oak Park, 21 de julho de 1899 - Ketchum, 2 de julho de 1961) foi um escritor norte-americano. Trabalhou como correspondente de guerra em Madrid durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Esta experiência inspirou uma de suas maiores obras, Por Quem os Sinos Dobram. Ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), se instalou em Cuba. Em 1953, ganhou o prêmio Pulitzer, e em 1954, ganhou o prêmio Nobel de Literatura. Suicidou-se em Ketchum, em Idaho, em 1961.

Hemingway era parte da comunidade de escritores expatriados em Paris conhecida como "geração perdida", nome inventado e popularizado por Gertrude Stein. Levando uma vida turbulenta, Hemingway casou-se quatro vezes, além de ter vários relacionamentos românticos. Em 1952, publicou "O Velho e o Mar", com o qual ganhou o prêmio Pulitzer (1953). Foi laureado com o Nobel de Literatura. 

A vida e a obra de Hemingway tem intensa relação com a Espanha, país onde viveu por quatro anos. Uma breve mas marcante passagem para o escritor americano, que estabeleceu uma relação emotiva e ideológica com os espanhóis. Em Pamplona, em meados do século XX, fascinou-se pelas touradas, vindo a trasportar essa experiência para o seu livro O Sol Também se Levanta (1926). Ao cobrir a Guerra Civil Espanhola como jornalista do North American Newspaper Alliance, não hesitou em se aliar às forças republicanas contra o fascismo, o que viria a ser o tema do livro Por Quem os Sinos Dobram (1940), considera sua obra-prima.

Ainda muito jovem, quando a Grande Guerra (1914-1918) assombrava o mundo, decidiu ir à Europa pela primeira vez. Hemingway havia terminado o segundo grau em Oak Park e trabalhado como jornalista no Kansas City Star. Tentou alistar-se, mas foi preterido por ter um problema na visão. Decidido a ir à guerra, conseguiu uma vaga de motorista de ambulância na Cruz Vermelha. Na Itália, apaixonou-se pela enfermeira Agnes Von Kurowsky, sua inspiração na criação da heroína de Adeus às Armas (1929) - a inglesa Catherine Barkley. Atingido por uma bomba, retornou para Oak Park, que, depois do que viu na Itália, tornou-se monótona demais para ele.

Volta à Europa (Paris) em 1921, recém-casado com Elizabeth Hadley Richardson, seu primeiro casamento, com quem teve um filho. Na ocasião, trabalhava para o Toronto Star Weeky e, em início de carreira, se aproximou de outros participantes: Ezra Pound, Scott Fitzgerald e Gertrude Stein. 

O seu segundo casamento (1927) foi com a jornalista de moda Pauline Pfeiffer. Com ela teve dois filhos. Em 1928, o casal decidiu morar em Key West, na Flórida. O escritor sentiu falta da vida de jornalista e correspondente internacional. O casamento com Pauline era instável. Nessa época, conhece Joe Russel, dono do Sloppy Joe's Bar e companheiro de farra. Já na década de 1930, resolveu partir com o amigo para uma pescaria. Dois dias em alto-mar que terminaram em Havana, capital cubana, para onde voltava anualmente na época da pesca ao marlim (entre os meses de maio e julho). Hospedava-se no Hotel Ambos Mundos, em plena Habana Vieja, bairro mais antigo da cidade que se tornava o lar do escritor, e os cenários que comporiam sua história e da própria ilha pelos próximos 23 anos. Duas décadas de turbulência  que teriam, como desfechos, a revolução socialista e o suicídio do escritor. 

Em Cuba, o escritor se apaixonou por Jane Mason, casada com o diretor de operações da Pan American Airways e se tornaram amantes. Em 1936, novamente se apaixona desta feita pela destemida jornalista Martha Guellhorn, motivo do segundo divórcio, confirmando o que predisse seu amigo, Scott Fitzgerald, quando eles se conheceram em Paris: "Você vai precisar de uma mulher a cada livro". Assim, Hemingway partiu para a Espanha, onde Martha já estava, e, em meio à guerra, os dois viveram um romance que resultou no seu terceiro casamento. Quando a república espanhola caiu e a Europa vivia o prenúncio de um conflito generalizado, Hemingway retornou para Cuba com Martha.

Em Cuba, durante a Segunda Guerra Mundial, Hemingway montou uma rede de informantes com a finalidade de fornecer, ao governo dos Estados Unidos, informações sobre espanhóis simpatizantes do fascismo na ilha. Também passou a patrulhar o litoral a bordo de seu iate Pilar na busca de possíveis submarinos alemães. Porém a Agência Federal de Investigação estadunidense via com desconfiança a colaboração de Hemingway, por considerá-lo um simpatizante do comunismo.

Em 1946, o escritor casa-se pela quarta e última vez com Mary Welsh, também jornalista, mas tímida e disposta a viver do lado de um Hemingway cada vez mais instável emocionalmente.

Ao longo da vida do escritor, o tema suicídio aparece em escritos, cartas e conversas com muita frequência. Seu pai suicidou-se em 1929 por problemas de saúde e financeiros. Sua mãe, Grace, dona de casa e professora de canto e ópera, o atormentava com a sua personalidade dominadora. Ela enviou-lhe pelo correio a pistola com a qual o seu pai havia se matado. O escritor, atônito, não sabia se ela queria que ele repetisse o ato do pai ou que guardasse a arma como lembrança. Aos 61 anos e enfrentando problemas de hipertensão, diabetes, depressão e perda de memória, Hemingway decidiu-se pela primeira alternativa.

Todas as personagens deste escritor se defrontaram com o problema de "evidência trágica" do fim. Hemingway não pode aceitá-la. A vida inteira jogou com a morte, até que, na manhã de 2 de julho de 1961, em Ketchum, Idaho, tomou um fuzil de caça e disparou contra si mesmo. Encontra-se sepultado no Cemitério de Ketchum, no Condado de Blaine, em Idaho, nos Estados Unidos.

"O meu objectivo é colocar no papel aquilo que vejo e aquilo que sinto da mais simples e melhor maneira." (Ernest Hemingway)


Abaixo trecho inicial do livro "O Velho e o Mar".




Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ernest_Hemingway





Era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo, e saíra já por oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe. Nos primeiros quarenta dias um rapaz fora com ele. Mas, após quarenta dias sem um peixe, os pais do rapaz disseram a este que o velho estava definitivamente e declaradamente salao, o que é a pior forma de azar, e o rapaz fora por ordem deles para outro barco, que na primeira semana logo apanhou três belos peixes. Fazia tristeza ao rapaz ver todos os dias o velho voltar com o esquife vazio e sempre descia a ajudá-lo a trazer as linhas arrumadas ou o croque e o arpão e a vela enrolada no mastro. A vela estava remendada com quatro velhos sacos de farinha e, assim ferrada, parecia o estandarte da perpétua derrota.

O velho era magro e seco, com profundas rugas na parte de trás do pescoço. As manchas castanhas do benigno cancro de pele que o sol provocava ao refletir-se no mar dos trópicos viam-se-lhe no rosto. As manchas iam pelos lados da cara abaixo, e as mãos dele tinham as cicatrizes profundamente sulcadas, que o manejo das linhas com peixe graúdo dá. Mas nenhuma dessas cicatrizes era recente. Eram antigas como erosões num deserto sem peixes.

Tudo nele e dele era velho, menos os olhos, que eram da cor do mar e alegres e não-vencidos.

- Santiago - disse o rapaz, ao virem da praia para onde fora alado o esquife. - Posso tornar a ir contigo. Já ganhamos algum dinheiro.

O velho ensinara o rapaz a pescar e o rapaz gostava muito dele.

- Não. - respondeu o velho. - Andas num barco de sorte. Fica com eles.

- Mas lembra-te de como saíste oitenta e sete dias sem peixe, e depois apanhaste só grandes, todos os dias, três semanas a fio.

- Lembro - disse o velho. - Bem ser que não me deixaste por duvidares.

- Foi o papá quem me mandou. Sou um rapaz pequeno e tenho de lhe obedecer.

- Bem sei - disse o velho. - É assim mesmo.

- Não tem grande fé...

- Pois não. Mas nós temos. Então não temos?

- Temos. - respondeu o rapaz. - Posso pagar-te uma cerveja no Terraço e depois levar a tralha para casa?

- E porque não? - disse o velho. - Entre pescadores!

Sentaram-se no Terraço e muitos dos pescadores fizeram troça do velho e ele não se zangou. Outros, dos pescadores mais velhos, olhavam-no e ficavam tristes. Mas não o mostravam e falavam atenciosamente da corrente e dos fundos a que haviam deitado as linhas e do bom tempo firme e do que tinham visto. Os pescadores de sorte nesse dia já lá estavam e tinham aberto os grandes peixes e tinham-nos trazido ao comprido em duas tábuas, com dois homens atrapalhados à ponta de cada tábua, até à pescaria onde esperariam pelo camião frigorífico que os levaria ao mercado de Havana. Os que haviam pescado tubarões tinham-nos levado à fábrica, do outro lado da enseada, onde eram içados com um cadernal, e lhes eram extraídos os fígados, cortadas as barbatanas, esfoladas as peles, e a carne feita em postas para salgar.

Quando o vento era leste um cheiro da fábrica atravessava o porto; naquele dia, porém, só a vaga memória de um odor vinha, porque o vento rondara ao norte e caíra, e no Terraço cheio de sol era agradável estar.

- Santiago - disse o rapaz.

- Que é? - perguntou o velho, segurando o copo e a pensar nos tempos de outrora.

- Posso ir arranjar-te umas sardinhas para manhã?

- Não. Vai jogar o "baseball". Ainda sei remar e o Rogélio atira a rede.

- Gostava de ir. Se não posso pescar contigo, gostava de ser útil de qualquer maneira.

- Pagaste-me uma cerveja - disse o velho. - Já és um homem.

- Que idade tinha eu quando me levaste a primeira vez num barco?

- Cinco, e ias quase morrendo, quando puxei o peixe ainda muito forte e por pouco ele fazia o barco em pedaços. Não te lembras?

- Lembro-me da cauda a dar a bater e do banco a partir-se e do barulho da pancada. Lembro-me de me teres atirado para avante, onde estavam as linhas molhadas, e de sentir o barco tremer todo, e do barulho de tu à pancada como quem deita uma árvore abaixo, e do cheiro doce do sangue por cima de mim...

- Tu lembras-te disso ou fui eu quem te contou?

- Lembro-me de tudo, desde que primeiro saímos juntos.

O velho olhou para ele, com os seus olhos amoráveis, confiantes, ardidos pelo sol.

- Se fosses meu filho, levava-te e tentava a sorte - disse. - Mas és filho do teu e da tua mãe, e andas num barco dos bons.




Documentário Ernest Hemingway - Dos Rios para o Mar





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